As Conferências do Estoril, que decorreram entre 29 e 31 de maio, tiveram como tema central a "Migração global: Deixando o lar num Mundo globalizado". O problema é complexo, sistémico, afetando de modo radical todas as esferas do Mundo contemporâneo: segurança, emprego, sustentabilidade ambiental e social, modelo de desenvolvimento, políticas económicas e sociais globais.
A realidade, essa fala por si mesma: segundo dados da OCDE, o número de migrantes permanentes cresceu 10%, em 2015 face a 2014, para 4,8 milhões de pessoas. Destes, 1,65 milhões eram pessoas à procura de asilo, vindas, em grande parte, de cenários de guerra: Síria (25%) e Afeganistão (16%), ou deslocadas sob a ameaça da fome, das alterações climáticas, da destruição violenta do seu habitat original.
Já Bernard Kouchner, Nobel da Paz em 1999, afirmava no Estoril que "é deplorável que nas praias do Mediterrâneo, onde os nossos filhos fazem castelos de areia, haja pessoas que morrem todos os dias". E "o sonho da paz é sagrado", recordou Ramos-Horta.
Mas o problema é mais vasto que o controlo da imigração onde o G7 parece apostar. É uma seta lançada ao coração da civilização/cultura que serve de lastro aos discursos, tratados e convenções.
Regresso ao fundo da pergunta de Lévinas: "Se eu não responder por mim, quem responderá por mim? Porém, se só responder por mim, serei ainda eu?"
Os traços humanos do eu são formados, desenvolvidos com e pelos outros. No âmago singular da subjetividade de cada um está um caminho feito com múltiplos eus: vivenciados, distantes ou mesmo desconhecidos. Uns vivem na nossa casa, outros são vizinhos, amigos; outros chegam-nos pelos livros, filmes, viagens, redes sociais, ou média. Uns são a nossa continuação natural, desenvolvimentos pacíficos do nosso rosto, outros são provocações ao que somos, conflito ou estranheza. E através de todos somos; através de todos nos construímos. No sentido mais radical do humano, somos parte e responsáveis uns pelos outros.
É preciso vencer a indiferença, reconhecer em cada outro um rosto - "As histórias de superação, sobrevivência e apelo à vida têm nome como nós". (C. Carreiras)
Falar da "casa comum", como faz Francisco, apelar à sua preservação e cuidado, situar a questão dos refugiados "na nossa dignidade comum e ao serviço de um futuro necessariamente comum", vencendo "o desafio de uma globalização sem marginalização, de uma globalização da solidariedade", é devolver o centro ao centro.
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