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Publicado em: 20 Setembro 2019

O Estado, a Banca, as PME e o João Félix: tempo de ir a jogo

Artigo de opinião de Fábio Duarte, docente da ESTG, escola de Tecnologia e Gestão do P.PORTO

As mais recentes crises internacionais e da dívida soberana trazem-nos à memória os dolorosos impactos que o processo de ajustamento macroeconómico impôs aos particulares, sejam famílias ou empresas, aforradores ou investidores.  Não obstante das respostas de política pública terem devolvido confiança aos agentes económicos nos últimos anos, a criação de formação bruta de capital regista mínimos históricos colocando em causa a projeção de uma economia robusta a longo prazo. Este cenário constitui, de resto, uma oportunidade política perdida numa fase em que o clima económico internacional nos tem sido favorável sobretudo em resultado de políticas monetárias corajosas promovidas pelo presidente do Banco Central Europeu que agora cessa funções, Mário Draghi.

Mas esta não é a única oportunidade perdida no que ao pensamento e projeção de futuro diz respeito. Perde-se também, ao que tudo indica, a oportunidade de discutir amplamente o papel do Estado no sector financeiro e da instrumentalização da Banca na promoção da coesão territorial, da inclusão social, da criação de emprego, do investimento privado, enfim, do crescimento económico. Ademais, esta discussão não é de somenos importância numa economia cujo modelo de financiamento assenta no sector bancário e num país privado de instrumentos de política monetária como é o caso de Portugal, estado membro de uma União Monetária.

Dados os episódios recentes de assistencialismo promovidos por sucessivos governos sobre o sector bancário de esfera privada, compreende-se que este seja um tema sensível para reflexão, mas não se pode esperar que não se criem estigmas em torno de um jogo quando não se procura que os intervenientes sejam convocados a participar na definição das suas regras e a dividir os dividendos que daí possam resultar.

Se, por um lado, os impopulares b
ail-in na Caixa Geral de Depósitos e o “disfarçado” bail-out sobre o Novo Banco, reforçam o estigma popular sobre a Banca, por outro lado, permitiram obviar o seu peso no risco sistémico do país. Para a sua relevância sistémica consideram-se, sobretudo, as externalidades negativas de efeito de contágio, nomeadamente quanto ao impacto que uma falência do sistema bancário teria sobre as famílias, mas também sobre as pequenas e médias empresas (PME). E é nesta esfera que temos centrado o debate na última década, apontando esforços sobre regulação e supervisão da atividade financeira. Paradoxalmente, no contexto de ressaca de uma profunda crise económica-financeira continuamos a ignorar a importância de debater de forma alargada a intervenção que se deve reservar aos Estados na promoção da liquidez do sistema financeiro considerando, sobretudo, a relação de dependência entre a performance da nossa economia, o binómio financiamento-investimento e a competitividade das PME.

Dessa discussão confluirá, necessariamente, uma visão estratégica sobre o modelo de acesso ao capital por parte das PME e sobre as respetivas condições de acesso.

Dados recentes do Banco de Portugal sustentam a crescente relevância das PME no tecido empresarial nacional. Em 2017, estas empresas representavam 99,5% das quase 430 mil empresas em atividade na nossa economia, dados bastante em linha com a realidade europeia. Pela sua representatividade, flexibilidade e resiliência as PME são a espinha dorsal das economias europeias. Reconhecendo-o, um relatório de 2019 produzido pela Comissão Europeia ressalva a importância que estas empresas têm não apenas para o crescimento económico e criação de postos de trabalho, como também na promoção da inovação e da integração e coesão social. Simultaneamente, a realidade dos últimos anos veio a revelar que as PME das economias europeias, operando num mercado de capitais desorganizado, desintegrado e pouco líquido de onde só podemos excluir o Reino Unido, desenvolveram uma profunda dependência do financiamento bancário. Por outro lado, a comunidade científica tem vindo, há décadas sucessivas, a sublinhar que problemas de assimetria de informação e a limitada escala das PME têm acentuado o racionamento de crédito bancário destas empresas. No contexto de parco investimento público, e reconhecendo o efeito que este paradoxo coloca à capacidade de crescimento económico sustentado, urge que o Estado vá a jogo inovando quanto aos instrumentos de promoção do investimento privado.

Importa promover uma discussão em torno da visão sobre a natureza e a atuação do único banco público português em contraponto com o objetivo de maximização de valor que pauta a gestão privada dos demais Bancos, que tende a favorecer empresas maduras e de maior dimensão com historial de crédito conhecido e risco reduzido. Se não for para ser instrumento alternativo à política monetária, que valor tem um banco público para a economia? Se a orientação do banco público é a da perseguição da maximização de riqueza, como articulamos as necessidades de crédito e os incentivos comunitários ao investimento, os sistemas de garantias mútua, o capital de risco e o microcrédito? Dada a sua amplitude, não podemos desperdiçar mais uma oportunidade para responder a uma questão estratégica, ignorando a necessidade de uma discussão inventiva e doutrinária centrada na relevância que queremos reconhecer sobre um banco público numa economia de mercado.

E o que isto tem que ver com João Félix? Nada! Precisamente.

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