Com ou sem estatueta, "Ice Merchants" já fez história

Em janeiro, dias depois da nomeação que o catapultaria para a eternidade, em entrevista ao jornal Público, João Gonzalez recordava como, "depois do ensino secundário em Ciências", tentou sem sucesso entrar num curso de engenharia informática. A alternativa mudou-lhe a vida e entrou na Licenciatura em Multimédia da Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD) do Politécnico do Porto. "Foi a melhor coisa que me aconteceu porque eu ia ser um engenheiro muito mau", vaticinava ao mesmo jornal. Na ESMAD, João descobriu o "o que gostava mesmo de fazer". Ou seja, desenhar e tocar piano.

A música é outro talento que o acompanha, até porque o pai é pianista e professor, e que ajuda a moldar a narrativa nas suas produções, sobretudo quando, como em "Ice Merchants", não há diálogos e as personagens não possuem grandes expressões faciais. A banda sonora da curta, como em outros trabalhos seus, é da autoria do próprio João, ainda que neste caso tenha recorrido a músicos da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) do Politécnico do Porto para lhe dar vida.

Construído sobre um argumento aparentemente simples, mas que é grandioso na mensagem sobre um sentimento de perda e memória, "Ice Merchants", com mais de 50 nomeações e prémios, orgulha a animação nacional, o cinema português e, no que nos diz respeito, toda a comunidade do Politécnico do Porto e da ESMAD, que já lhe conhecia o talento pelas animações que fez em contexto académico, "Nestor" e "The Voyager", também elas multipremiadas. Em conjunto, as três animações formam uma espécie de tríptico que o próprio João apelida de "trilogia da solidão", por força de certos formalismos partilhados: homens solitários em contextos extremos.

"Ice Merchants" está, presentemente, em exibição em Setúbal, Lisboa, Faro, Braga, Aveiro, Vila Real, Madeira, Coimbra, Viseu, Leiria, Évora e no Porto, onde pode ser visto no Cinema Trindade, no Arrábida Shopping e no Norteshopping. É uma co-produção portuguesa, francesa e britânica (de Bruno Caetano, a cooperativa de produção COLA, Wildstream e da Royal College of Art, respetivamente).

Obrigado, João, por nos representares tão bem. Com ou sem Óscar, temos muito orgulho em tudo o que já fizeste e no que ainda irás fazer.