Karl Popper, num célebre ensaio de cujo título me aproprio neste artigo, ao analisar os sinais genéticos do totalitarismo moderno, sinaliza o anti-humanitarismo ("fechar a porta a todas as ideologias igualitárias, democráticas) e o antiuniversalismo (sustentar a diferenciação entre a própria tribo e as outras) como tendências maiores destes sistemas, por oposição às sociedades abertas, radicadas na razão, na liberdade e na fraternidade entre os homens.
O nacionalismo de Trump, o seu isolacionismo xenófobo e estratégico não escondem os sinais totalitários. O líder, o caudilho, emerge do imperativo histórico de salvar o país, o povo, dos seus inimigos internos (a corrupção de Washington e das elites...) e externos ("tenho de ser agressivo porque todas as nações do Mundo andaram a tirar partido de nós". D. Trump). A sua legitimidade vem da ordem moral fundada na defesa dos inimigos da tribo, recriada na precipitação do medo, como o de mandar publicar todos os atentados existentes ou efabulados desde 2014, quando a lei parece comprimir a tirania dos mandatos executivos com que vem legislando.
Mas, apesar de toda a dor que provoca, a opressão, em si, é um sintoma, uma ferida num corpo doente, um sinal de alerta. A questão está nos porquês. E entre tantos, a análise de Popper recentra-nos no núcleo da pergunta: a dimensão política, ou melhor, a sua ausência: o desleixo ao nível da vivência interpessoal dos princípios fundadores das sociedades democráticas - a razão, a liberdade e fraternidade.
Não basta escrever nas tábuas da lei que "todos os homens nascem livres e iguais". É preciso ensiná-lo, discuti-lo e problematizá-lo em contextos próprios da vida e da história dos povos. Não basta dizer que em democracia as propostas se constroem em debate e pelo consenso público. É preciso ensinar a debater, ouvir, argumentar, fazendo do diálogo um hábito de vida, face ao "desastre educativo global" que M. Serres denuncia, à ignorância que cresce numa "amnésia planificada" (G. Steiner) onde as fronteiras entre a verdade e a mentira, a realidade e a ficção perdem sentido.
As armas contra o populismo são a cultura e a crítica e estas ensinam-se e realizam-se na e pela participação integradora na vida pública. Uma sociedade centrada no sucesso quantitativo esqueceu-se de si, perdeu a alma, o elã da coesão. Desagrega-se em orlas de marginalizados (desempregados, infoexcluídos, desiludidos). E aí gera o seu veneno.
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