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Publicado em: 04 Março 2020

La Donna di Genio Volubile: Um projeto, um espetáculo, um DVD

Artigo de opinião de António Durães, docente da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do P.PORTO

A história desta ópera — que a ESMAE produziu e apresentou no Teatro Nacional São João e que o Politécnico do Porto fixou em DVD através da editora Polifonia — repete-se na continuidade das muitas narrativas com que se preenchia o tempo nos gloriosos serões dos anos oitocentos, viessem as histórias do punho de Beaumarchais ou de Goldoni, de Marivaux ou de Da Ponte, ou até deste Giovanni Bertati, o libretista, um dos vários com quem Marcos Portugal trabalhou.

Marcos Portugal (1762-1830), contemporâneo de Mozart e Beethoven, é um dos mais importantes compositores portugueses e um dos que tem obra mais internacionalizada. Nem esse facto obsta a que os seus restos mortais ainda aguardem na Igreja de Santa Isabel, em Campo de Ourique, Lisboa, a trasladação prometida para o Panteão Nacional, razão pela qual atravessaram o Atlântico. Aquela que era uma espera burocrática, uma pausa no processo, transformou-se porventura, num encalhanço definitivo. Está bem que a dita igreja é interessante, mais agora encimada que está por um céu zen da autoria de Michael Biberstein que para o tecto planeou uma obra, póstuma [NDR: o artista suíço-americano faleceu em 2013], que é agora o céu de Marcos Portugal.

Esta La Donna di Genio Volubile foi composta e estreada no Teatro San Moisè de Veneza a 5 de outubro de 1796. La Donna percorreu depois alguns, muitos, dos teatros mais importantes da europa melómana.

A estreia portuguesa aconteceu em Lisboa, no Teatro de São Carlos, a 23 de novembro de 1799. A 19 de novembro de 1805, sete anos depois da estreia mundial, a ópera foi apresentada no Porto, no Real Teatro de São João, e dedicada pela soprano Carolina Grifoni, prima-donna da companhia lírica do São João, à Viscondessa de Balsemão, D. Maria Rosa Brandão Alvo Godinho Perestrelo Pereira de Azevedo.

Mas antes, em 1804, La Donna arrastava a sua volubilidade no Teatro Italiano, em Paris, programada — diz-se — pela mesma importante figura que mandara reerguer o velho teatro e o voltara a inaugurar, poucos anos antes, com uma outra ópera de Marcos Portugal. Esse improvável programador chamava-se Napoleão Bonaparte. E essa será uma das razões por que os restos mortais de Marcos Portugal ainda aguardam pelo agasalho do Panteão. A outra razão poderá muito bem ser o facto de ser ele o autor do primeiro hino brasileiro [NDR: logo em 1822, ano da independência do Brasil], uma espécie de grito do Ipiranga musical.

A efemeridade é a marca essencial do acto teatral que consagra um momento irrepetível, de que apenas ficam breves (ou longos) fiapos na memória daqueles que foram suas testemunhas. A fixação dessa memória em registo DVD vem resolver uma parte significativa dessa falha, que resulta da natureza do acto teatral tal como ele é. Um conflito que o registo não apazigua, mas contorna. O registo vídeo, esse, num tempo em que a memória se estilhaça com facilidade, guarda essa memória e permite-nos regressar a ela com a facilidade da viagem no tempo. Uma viagem só possível graças às novas tecnologias que, helàs, já são velhas, tal a velocidade a que nos deslocamos, senão no tempo, pelo menos na consciência da sua voracidade.

O objecto aí está, visível (e audível) pronto a vencer o tempo e a santa efemeridade do espectáculo.

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