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Publicado em: 13 Dezembro 2019

Literacia financeira como desígnio nacional

Artigo de opinião de Ricardo Bahia Machado, docente do Politécnico do Porto

Com o dealbar da crise financeira em 2007 nos EUA, que rapidamente se espalhou, como fogo em palha seca, para o outro lado do Atlântico, com especial incidência nos países da Zona Euro e, dentro desta, com consequências devastadoras para as economias mais débeis e mais dependentes do mercado externo, entre as quais estava a portuguesa, instituições de referência que outrora consideráramos como seguras, ou “sólidas” para usar a adjetivação então muito em voga, colapsaram arrastando com elas as poupanças de uma vida de centenas de milhares de famílias. Como foi possível?

A resposta a esta questão é complexa e resulta de um avolumar de erros e desinformações, pelo menos na última década do século XX. mas que nas pessoas economicamente mais desfavorecidos se podem resumir em duas vertentes fundamentais: a assimetria de informação, potenciada, sobretudo, pela sofisticação/complexidade dos produtos financeiros oferecidos, e a insensibilidade (e é um eufemismo) dos seus consumidores perante um conceito, que é muito caro às finanças, denominado por diversificação dos investimentos ou como, prosaicamente, diz o povo “não colocar todos os ovos no mesmo cesto”.

Todavia e de forma paradoxal, a sabedoria popular esvaziou-se quando se multiplicaram produtos financeiros emitidos pela tais instituições que prometiam rentabilidades, a curtíssimo prazo, duas a três vezes superiores a ativos na mesma classe de risco, derrogando outra máxima que sentencia que “quando a esmola é muita…” Pois, dirão, a avidez natural pelo lucro fácil obnubila o discernimento e se a isto juntarmos a falta de escrúpulos daqueles que, pela sua função, deveriam zelar pelas “economias” dos seus clientes, vendendo este tipo de produtos, a receita para o desastre estava encontrada.

Atualmente em Portugal temos vindo a assistir a uma preocupação crescente por parte de um conjunto de entidades públicas e privadas com a denominada “literacia financeira”, de que o Plano Nacional de Formação Financeira, fundado em 2011 pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, lançando as bases para a criação, em 2013, do Referencial de Educação Financeira pelo Ministério da Educação, é um exemplo. A educação financeira é, hoje em dia, encarada como um fator crítico para a inclusão social dos economicamente mais desfavorecidos, procurando, entre outros, a proteção destes últimos perante comportamentos predatórios das tais instituições cheias de virtudes públicas, mas que encerram vícios privados.

Afunilando o campo de atuação, enquadrando-o no mundo em que se insere a minha atividade profissional, nos bancos de uma qualquer escola de gestão, os estudantes são, desde logo, confrontados com a problemática da escassez dos recursos, que impõe as características de tempestividade, eficiência e eficácia no processo de tomada de decisão organizacional, associando-o ao tão célebre conceito de custo de oportunidade.

Logo, se como propugna o eminente académico Aswath Damodaran – confessando, simultaneamente, o seu eventual enviesamento pela sua qualidade de professor de finanças empresariais –, se assumir a ubiquidade da função financeira em toda e qualquer decisão organizacional, porquanto esta terá sempre, na sua base, uma implicação meramente financeira, exige-se que o agente organizacional, seja qual for a sua área funcional, possua um nível mínimo de conhecimentos sobre finanças para compreender os impactos financeiros que as suas decisões têm na saúde da sua organização.

E é nesse sentido que tenho por hábito alertar todos os agentes que gravitam no mundo académico para a necessidade de incluir nos programas dos diversos cursos, especialmente nos que, pela sua natureza, se afastam deste campo, de unidades curriculares que confiram competências na área financeira.

O desígnio nacional pela educação financeira prescreve que esta última deverá iniciar-se já no ensino pré-escolar, mas deve, sobretudo, ser um processo de educação continuada, abrangendo aqueles que já se encontram fora do sistema de ensino, muitos dos quais são responsáveis pela gestão de organizações empresariais que enformam a nossa economia, apelando ao seu regresso aos denominados centros de saber para reciclar velhos conceitos e adquirir novas ferramentas num mundo em constante mudança.

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