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Publicado em: 16 Dezembro 2016

O tempo da verdade

Artigo de opinião da Presidente do Politécnico do Porto.

Aquando da sua tomada de posse como secretário-geral da ONU, António Guterres dizia que a confiança entre povos e pessoas só se podia restabelecer pela afirmação da verdade.

Num Mundo plural de interesses, de visões e sentires diversos, a verdade tem o nome de verdades. Mas as verdades, por serem múltiplas ou particulares, não se confundem com a mentira. A verdade exige rigor na apresentação de dados e racionalidade na argumentação contra a afirmação gratuita, infundada.

Que verdades dirá Guterres capazes de convocarem uma base sólida de confiança, de diálogo? Factos: a premência do real analisado à luz da razão, da ciência, como alicerce e cimento de uma construção política mais firme. Dizer e provar que "não há paz sem desenvolvimento e não há desenvolvimento sem paz", que "o Mundo gasta muito mais energia e recursos a gerir crises do que a evitá-las" bastará? Seguramente, não. E Guterres sabe-o. Dez anos à frente do ACNUR retiram a inocência a qualquer um.

Conhecer o bem, não é condição para o praticar. Entre o conhecer e o fazer há um espaço opcional, o reino da vontade, que marca o livre-arbítrio humano. Mas a ignorância é um obstáculo ao bem: o não saber diminui a consciência do real e, consequentemente, a responsabilidade. O conhecimento compromete-nos, implica-nos na opção de agir de um modo ou de outro, ou de ignorar.

Al Gore gritou uma verdade inconveniente que não mudou o Mundo, nem as políticas ambientais. Mas comprometeu muita gente e embaraçou outras: alargou o nosso horizonte de responsabilidade e a noção de participação.

A retórica populista opera no campo oposto. Não é a verdade com critérios de aferição definidos o centro do discurso, mas as emoções inflacionadas num apelo aos impulsos básicos mais estreitos. America first é um postulado cientificamente impossível num Mundo global e sistémico; mas é o slogan certo para mobilizar a frustração legítima de muitos, manipulando-a para um nacionalismo agressivo, onde muros altos isolam as orlas invasoras, tapam e sossegam a consciência, não a fazendo responder pelos que morrem em Alepo.

Chamam pós-verdade a este modo de tecer enunciados políticos; pós-moralidade, pós-Estado social, pós-humanidade... A luz de Guterres é outra: quer fazer da verdade a fonte legitimadora do discurso na diplomacia internacional. Dizê-lo, neste tempo, é uma afirmação de uma lucidez maior; é recentrar o núcleo da política na razão ética.

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