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Publicado em: 29 Dezembro 2017

Não adoto este silêncio

Artigo de opinião da Presidente do Politécnico do Porto.

"Não adoto este silêncio" é o lema do movimento de denúncia de um sistema internacional de adoções ilegais, que emergiu com base em peças de jornalismo de investigação (Alexandra Borges; Judite França). Mas devia ser um lema geral. Calar perante a injustiça ou o sofrimento é demissão, negação de si mesmo na negação do outro.

Há muitos silêncios nascidos da omissão da nossa voz, diluída na massa anónima da desresponsabilização coletiva - se o mal é do sistema, a minha palavra não fará a diferença!

Ignorância, falta de desenvolvimento moral e cívico, cansaço, desilusão?... Não há uma causa única, nem simples e as responsabilidades dividem-se, indubitavelmente, entre o sistema, onde as condições de produção do medo, do desconhecimento, da indiferença, da má vida são geradas, e a responsabilidade individual que cabe a cada um.

É certo que a turbulência dos dias agita-nos num precipitar de necessidades, num esgotar permanente de tarefas, onde o tempo escoa e a consciência é um pequeno crepúsculo fugaz antes do adormecer. Tudo parece concorrer para esse indolente entorpecer: consumimos, produzimos e consumimos mais, num ciclo frenético, onde inscrevemos a vida sem grandes interrupções, pois também o lazer se organiza e regula pelo consumo, e as mais ingénuas distrações estão por conta de uma indústria de entretenimento que nos entra em casa com ideias "criativas", jogos lúdicos, onde o prazer leve nos embala o cansaço. No alinhamento dos telejornais as notícias sucedem-se velozes e indiscriminadas, navegando entre os dramas mais intensos e os faits divers cor-de-rosa - um jogo cénico onde a sua relevância mutuamente se anula, até ao suave esquecimento.

As sociedades contemporâneas, abertas e globais, alicerçadas num modelo de desenvolvimento neocapitalista que democratizou o consumo como modo de estar, trazem, na sua imensa complexidade, o vírus da passividade, do individualismo hedonista, da indiferença moral.

É neste presente que temos que pensar e agir. Entre o poder do "sistema" e nós mesmos há um continuum onde, formalmente, se funda a natureza comunicativa das nossas sociedades democráticas. E é pela compreensão e comunicação que se abre o sentido capaz de romper o silêncio - formar posturas de reflexão contra a tirania do imediato, desconstruir falsas evidências e factos, demonstrar ideias que mobilizem a sociedade e permitam uma "viragem cognitiva", educativa, apoiando a formação do juízo cívico e moral.


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